Homenagem de Zózimo Drumond

 

NOSSO CONTERRÂNEO JOSÉ AFRÂNIO

 



Eram nove horas da manhã de 03.06.08. Eu acabara de chegar de caminhada que faço regularmente na orla da represa da Pampulha. Preparava-me para um banho quando o telefone tocou. Era o David e, pela tonalidade de sua voz, preparei-me para receber notícia não alvissareira. Quando amigos telefonam e as coisas estão normais, normalmente as primeiras sílabas já denotam um "quê" de alegria. Sentindo que aquele telefonema traria alguma coisa diferente, respirei fundo e disse : "pode falar, David, estou preparado" Foi aí que ele, mais uma vez demonstrando emoção, disse :" hoje Alvinópolis está de luto, José Afrânio não está mais no nosso mundo." Breves momentos de silêncio, numa prova inequívoca que, em determinadas situações o silêncio é também uma forma de comunicação. Eram duas pessoas consternadas pela mesma razão, a primeira, dizendo, sem palavras, que a notícia era triste mas não pôde evitá-la; a segunda, reconhecendo o grau daquela tristeza, mas agradecido por ter sido incluída na lista dos avisáveis. Recompostas as forças, fizemos ligeiros comentários sobre o ilustre falecido e desligamos os telefones na certeza de que em breve nos encontraríamos pessoalmente. Fiz minha primeira oração pedindo a Deus pela alma de uma pessoa que, aqueles que o conheceram, são testemunhas de que, em seu tempo de vida terrena, sempre foi humilde, respeitoso, dedicado com familiares, amigos e conterrâneos. Além dessas qualidades, próprias de quem valoriza o ser humano, ele tinha outra que era ser portador de uma inteligência inigualável, qualidade esta que fez com que, em seu velório, houve as mais diversas manifestações de pessoas das camadas sociais mais simples, das políticas, das intelectuais e que, em que pesem as diferenças de formação social, todas eram unânimes na razâo de ali estar : homenagear aquele ser humano que só semeou simpatia, humildade, solidariedade com os que o cercaram. Como não poderia deixar de ser, todas as manifestações versavam, principalmente, pela intelectualidade do José Afrânio, todos, porém, fazendo questão de enfatizar da maneira gentil, humilde e solidária com que ele sempre se postava com quem o procurava.


No entanto, se tudo que eu disse neste preâmbulo é justo e merecedor a ele,, o que eu quero na realidade é aqui expor uma outra qualidade que ele tinha: todas as vezes que eu, sendo avisado de que algum conterrâneo havia falecido, compareci ao velório e, em lá chegando, invariavelmente, lá estavam o José Afrânio e seu irmão Geraldo (também falecido). José Afrânio não ali comparecia para ostentar sua grandeza, nem para fazer discursos, nem para declamar poesias, nem .... A finalidade fundamental de sua presença ali era, mais uma vez, demonstrar o carinho que tinha por Alvinópolis, por suas coisas e suas pessoas, apesar de lá ter ido embora há exatos 53 anos. Ele chegava, procurava os parentes do falecido e da maneira mais simples possível os cumprimentava. Em seguida assentava-se em um banco bem defronte do ataúde, com uma mão superposta 'a outra, ligeiramente entre as pernas (na condição de assentado), cabeça ligeiramente abaixada, com o olhar sempre fixo num mesmo ponto, ali permanecia, inerte, por muitas horas.

 

Tenho certeza que cem por cento do tempo que ali ficava, era de oração pelo falecido e pelos seus familiares. Não fazia discriminação das famílias em razão da condição social destas - ia a todos os velórios para os quais tivesse sido avisado. Impressionava-me a maneira humilde com que se postava naquela ocasião. Certa feita, quando ele chegou eu lá já estava e pude ver quando chegou perto da viúva do falecido, colocou a mão sobre o seu ombro e apenas disse:

- " Deus sabe o quê faz. Que Ele lhe dê consolo e conforto". Em seguida, assentou-se na condição já descrita anteriormente, ficou ali por umas duas horas. Levantou-se, aproximou-se novamente dos familiares e disse: "

Em razão de compromissos, vou ter que me retirar.

Estou 'as ordens para o que eu puder ser útil. Deixo aqui o número do meu telefone. Amanhã estarei aqui, no funeral"


Volto a afirmar : eram invariáveis, nestas circunstâncias, a assiduidade, pontualidade, amabilidade e humildade com que sempre se postava.