Entrevista Deputado Federal Bernardo Santana

 

Sobre a PEC37 e sua repercussão.

 

Por Marcos Martino

 

 

 

A atitude do Deputado Federal Bernardo Santana de votar a favor da PEC 37 provocou uma enxurrada de manifestações em todas as mídias e particularmente na internet.

Para muitos, foi que nem aquela história do único soldado marchando certo. Os desafetos políticos aproveitaram para execrar e os que votaram contra, tinham o argumento de atender as demandas populares.

Eu pessoalmente também votaria contra. Num sistema tão afeito aos esquemas, todos precisam investigar e fiscalizar.

Mas há de se considerar que muitas pessoas sérias se manifestaram abertamente favoráveis, alegando que faltava uma adequação do texto, para deixar claras as atribuições de cada instituição.

Ao final prevaleceu a democracia, o povo não quis e o congresso votou contra.

Porém, a reflexão está lançada. Se existem  abusos por parte do MP, que lhe seja lembrado seu lugar e suas atribuições.  

Continuemos acompanhando as notícias.  

E vamos à entrevista.

 

Caro Bernardo Santana, como é que você está se sentido como único mineiro a ter votado favoravelmente a PEC 37?

Me sinto muito tranquilo e ciente do dever cumprido. Um homem não pode trair a si próprio, as suas convicções, a sua honradez. Se você observar bem, dois dias antes da votação havia 370 parlamentares que se declararam favoráveis a aprovação da PEC 37. Houve inclusive vários políticos mineiros que mudaram seus votos na última hora. Não atenderam aos interesses da nação, mas a uma demanda imediata.

Mas não seria também plausível o argumento de que atenderam ao clamor popular, atendendo a uma das principais reivindicações das manifestações populares?

O problema é que o raciocínio é simplista. O povo ia contra por imaginar que a PEC 37 iria tirar o poder de investigação do Ministério Público, impedindo que investigasse os políticos. Não tinha nada disso. Veja bem. É preciso desmitificar certas coisas. Foi num contexto de parceria – polícia judiciária (executando) e Ministério Público (coordenando, requisitando, controlando) – que ocorreram as famosas e televisionadas prisões de grupos organizados, entre os quais verdadeiras quadrilhas de agentes públicos corruptos. Isso não mudou. Esta parceria infalível não foi mudaria com a PEC 37.

Mas o que exatamente mudaria com a PEC 37?

O que mudaria mesmo é que a PEC, ao consolidar a competência privativa da investigação criminal pelas Polícias Judiciárias, impediria que o Ministério Público fizesse sozinho essa investigação criminal, assumindo, de forma inconstitucional, um papel que não lhe compete de polícia judiciária.

A atribuição da investigação criminal sempre foi privativa da polícia judiciária (polícia civil e federal), sob o controle externo do Ministério Público. E não é só isso, compete ao MP requisitar a abertura de investigação criminal, requisitar a realização de diligências investigatórias e determinar o arquivamento do inquérito, se julgar conveniente (atribuições do MP expressas no art. 129 que, reitere-se, não foi mexido).

Você participou do Grupo de Trabalho que definiu a redação do texto da PEC 37. O que você tem a dizer a respeito?

Que principalmente por ter participado do grupo de trabalho e ter me aprofundado sobre o assunto, seria totalmente incoerente se votasse contra. Foram meses buscando uma  solução de consenso entre representantes do próprio Ministério Público e da Polícia Judiciária( Civil e Federal), tendo por mediadores o ministério da Justiça, representado pelo Secretário da Reforma do Judiciário) e o Congresso Nacional, representado por mim, pelo Deputado Federal Fabio Trad e pelo Senador Vital do Rego.

A oposição e alguns desafetos estão se aproveitando para ataca-lo. O que você pensa à respeito? Não teme a impopularidade?

É obvio que não é agradável ser atacado. Mas infelizmente faz parte do jogo, da má política. Algumas pessoas esquecem que alguns políticos que apoiam se declaravam favoráveis à PEC 37 há dois dias atrás. E muitos desses que me atacam, também apoiavam a PEC. Eu não coaduno com esse tipo de covardia.

Houve até alegações de que você estava empenhado em enquadrar o Ministério Público, por ter um histórico de confronto com o mesmo em uma questão pessoal.

As pessoas dizem o que querem. É a liberdade democrática que temos, que às vezes dá sustentação a argumentos e fatos não comprovados. Fui processado, quando advogado, por não aceitar TAC e gravei achaque e propostas não republicanas para encerrar a ação. Na época foi reconhecido que eu não havia feito nada de errado, mas que seria melhor eu aceitar para evitar o desgaste. Está nos autos periciados por perito do juiz e aguardando julgamento. Eu na época, orientava os clientes a não assinarem TACs e nessa época já comecei a denunciar os abusos do MP.

 

Então o senhor acha que o MP deveria perder poderes?

O MP não pode perder poderes que nunca teve. Na verdade o que se viu como necessária foi uma clareza maior quanto as atribuições de cada parte. É isso que  buscávamos com a proposta da PEC 37. Infelizmente, em algumas situações, alguns membros do MP estavam abusando de suas prerrogativas.

Mas imagine uma situação, um Promotor pede uma investigação à polícia federal sobre a atuação de certo político . Só que aquele político é aliado do governo e a PF por sua vez é braço do executivo. Não existe a possibilidade da promiscuidade? Da PF ser "aconselhada" a aliviar para o protegido político?

Esse é um risco pode acontecer também no caso de alguém do MP resolver agir arbitrariamente para atingir alguém. É preciso também parar de ver o MP como paladino da ordem e da moralidade,sem erros e mazelas, que irá, definitivamente, acabar com a corrupção em todo o país. O MP tem imenso valor, mas Infelizmente maus profissionais existem em todas as áreas. Isso não diz respeito ao cargo, mas ao caráter. E, a história já nos deu mostra suficiente do que ocorre quando confiamos um poder ilimitado em mãos erradas. E neste caso, podem não ser atingidos apenas os corruptos, mas sobretudo os cidadãos de bem. 

Mas então, porque o povo foi tão contrário a PEC 37?  

O que não se conseguiu foi traduzir para as pessoas o que está acontecendo. Já está quase cristalizado junto à opinião pública que o PEC 37 tem como objetivo apenas livrar a classe política das investigações do MP.. A oposição tá no seu papel e faz estardalhaço. Mas é preciso que se entenda que os Poderes institucionais do MP seguiriam intocados, nestes incluídos a competência privativa para propor ação penal pública e para promover o inquérito civil e ação civil pública, tão necessários ao combate à corrupção e à impunidade. Eles estão relacionados taxativamente no art. 129 da Constituição Federal. E, por incrível que possa parecer, este artigo 129 sequer foi mencionado na PEC 37. Ela se refere apenas ao art. 144 que trata da segurança pública (polícias).

Assim sendo, o ministério público continuaria investigando?

Não. Desde o tempo de advogado militante não concordo com a ideia de uma investigação criminal solitária do Ministério Público por diversas razões , mas a principal é a inexistência, em todo o texto constitucional e em especial no art. 129 (que trata das competências do MP), de qualquer atribuição de competência investigativa criminal solitária a esta instituição.

Mas deputado, então não seria o caso de rever a constituição?

Bom, se for para o MP investigar, deve propor uma PEC mudando o texto constitucional. Salvo contrário, estamos criando precedente para que ninguém mais respeite o texto constitucional e amanhã o caos jurídico estará instalado. Todo mundo se julgará no direito de entrar na seara de competência do outro, sob o fundamento de se buscar o “bem comum”. Acabou a segurança jurídica e o Estado Democrático de Direito.

Mas qual o problema do MP fazer sozinho a investigação?

Essa competência de fazer sozinho a investigação criminal não tem previsão constitucional, sendo ilegítima e uma afronta às competências institucionais das polícias judiciárias.  Essa alegada competência foi, na verdade, “abocanhada” pelo MP por meio de norma “interna corporis”. Além do mais, tendo sido avocada por norma interna da instituição, a investigação solitária do MP não está sujeita a nenhum controle externo e nem a obedecer o rito processual investigativo do Código de Processo Penal. Assim, o próprio Ministério Público estabelece as regras de sua investigação e se autocontrola. E por fim, o que é mais grave. Quem tem a exclusividade para propor a ação penal (para entrar com o processo penal perante o Judiciário)? O Ministério Público. Portanto, a regra é, quem investiga o crime é a polícia (pelo caráter isento e imparcial) e com base nessa investigação criminal, o Ministério Público denuncia.

Não lhe surpreende o fato de instituições como Associações de policiais e de advogados e até o próprio Ministério Público se posicionem contra?

Sim, me vejo surpreendido com esta campanha contra a PEC 37, pois o MP participou das discussões. E agora alguns membros vem, de forma irresponsável, propagando informações distorcidas sobre o assunto, o que sem dúvidas contaminou uma construção legislativa de consenso que, a meu ver, atenderia ao anseio da sociedade brasileira. Mas surpreendente mesmo foi a falta de coragem dos meus colegas deputados, que mudaram de ideia no último minuto.

Mas Deputado, como se justificar perante o conjunto da sociedade, que se manifestou de forma radical contra a PEC 37?

Pois é. Tenho visto muita gente se posicionar em um contexto de campanha publicitária, com charges e frases de efeito, sem qualquer fundamentação técnica e totalmente distorcida da realidade. Infelizmente são distorções da democracia. Eu vejo as manifestações pelo país em sua maioria como justas. No caso da PEC 37, talvez os jovens não tenham o necessário aprofundamento no assunto e se apeguem ao que ficou cristalizado. Mas estamos num regime democrático e precisamos aceitar as decisões. O que não significa que devemos concordar. A Presidenta Dilma falou muito bem. Temos de concordar que o povo pede mais. O povo quer e merece um país mais justo.

Deputado, algum recado final?

Primeiramente, gostaria de esclarecer que defendo os meus pontos de vista com embasamento, tenacidade e coerência. E o faço com muita tranquilidade, correção e seriedade. Não irei apoiar qualquer proposta que entendo cercear o direito de defesa e contraditório do cidadão brasileiro.  Os justos não podem pagar pelos pecadores. Nunca fugi ao debate de temas polêmicos e tampouco me envergonho de admitir erros e enganos ou de voltar atrás em um convencimento pessoal. Mas sinceramente, não foi esse o caso. Sei dos riscos de não ter feito como os outros, que convenientemente mudaram seus votos. Mas fiquei em paz com a minha consciência e posso botar a cabeça no travesseiro e dormir sem que pese a vergonha da covardia.

Para quem quiser conversar à respeito da PEC37 ou demais assuntos, o meu facebook é Bernardo Santana.

Obrigado.