Max Gehringer
O português nas apresentações
EM APRESENTAÇÕES, TODO CUIDADO É POUCO. UMA ÚNICA
PALAVRA errada pode destruir uma apresentação inteira.
Porque a platéia lembra muito mais dos erros do que dos
acertos. Eu trabalhei com um gerente de vendas que tinha
ótimas idéias e até falava razoavelmente bem em público, mas
tinha a mania de falar “seje”. E ele sempre encerrava seus
discursos dizendo mais ou menos o seguinte: “A empresa pode
ficar tranqüila porque cada funcionário vai dar o máximo de
si, seje o vendedor, seje o supervisor, ou seje o gerente”.
E, no dia seguinte, não dava outra, os participantes da
reunião esqueciam do assunto e ficavam comentando o seje. Um
dia, esse gerente teve que fazer uma apresentação para
nossos clientes. Clientes importantíssimos. E, como nada
podia dar errado e nós não queríamos correr riscos, criamos
coragem e dissemos para o gerente que o verbo sejar não
existe em português e, portanto, não existe também a forma
seje. E ele, que falava seje desde criancinha, ficou
surpreso. Consultou até um professor de português porque
achou que nós estávamos tentando zoar com a cara dele.
Finalmente, devidamente convencido da inexistência do seje,
nosso gerente se preparou para encantar aqueles clientes
importantíssimos. E, no dia da apresentação, nós todos
estávamos lá, na primeira fila, acompanhando cada palavra e
aguardando ansiosamente o momento em que ele encerraria a
apresentação com sua frase favorita. E o gerente tomou
aquele fôlego e disse, pausadamente, que cada um daria o
máximo de si, se-já o gerente, se-já o supervisor ou se-já o
vendedor. Nem dá para descrever a sensação de alívio que nós
tivemos. E, quando nós já íamos começar a aplaudir, o
gerente acrescentou: “Por isso, estejem tranqüilos”.
O português precisa ser
treinado
O ASSUNTO DE HOJE É TREINAMENTO. UMA DAS PREOCUPAÇÕES
DAS empresas - ou, pelo menos, das boas empresas - é
garantir que seus funcionários estejam sempre atualizados. E
uma das maiores consultorias do mundo, a Pricewaterhouse
Coopers, é um belo exemplo dessa preocupação com a
atualização. Em seus escritórios no Brasil, a Price
constatou que seus novos contratados precisavam se
aperfeiçoar em um idioma... o português. Do total de horas
de treinamento por que passam os novos contratados da Price,
quase 10% são dedicados a aulas de português. Pode parecer
surpreendente, mas naquelas avaliações iniciais da Price tem
ficado claro que os jovens brasileiros estão muito mais
preocupados em aprender inglês - o que é bom - do que em
aprender português - o que é uma obrigação. Com a chegada do
correio eletrônico nas empresas, e com ele a necessidade dos
profissionais se comunicarem uns com os outros diretamente e
sem a interferência da secretária que, antes, redigia os
memorandos em papel, a deficiência em escrever corretamente
em português ficou mais evidente. E não é aquele português
erudito, que só os bacharéis entendem. São as coisas bem
básicas, dos tempos do Ensino Fundamental, como concordância
verbal, grafia e acentuação. Eu conheço muitas empresas que
estão pagando cursos de inglês ou espanhol para seus
funcionários. Mas são raríssimas as que pagam cursos de
português. Aí, acontece o que aconteceu num recente teste
escrito de uma empresa. Nele, foi constatado que, de cada
dez candidatos com curso superior que discorreram sobre o
tema “ascensão profissional”, nove não sabiam soletrar a
palavra “ascensão”. E cinco responderam à questão “como você
pretende ascender na sua vida profissional?” mencionando
fósforos e isqueiros.
O direito de complicar
NOSSO OUVINTE AMÉLIO ESCREVE PARA DIZER QUE FOI
PROMOVIDO A supervisor. Parabéns, Amélio. E também para
contar que, em sua nova função, ganhou o direito de opinar
sobre o plano estratégico de sua empresa. Diz o Amélio que
recebeu um calhamaço de papel para ler. E, depois de ler uma
dúzia de vezes, não entendeu nada. Ele não conseguiu ver, no
plano estratégico que recebeu, nada que fosse vagamente
parecido com as coisas que aconteciam no dia-a-dia da
empresa. E me pede para ajudá-lo a compreender. É simples,
Amélio. Os planos estratégicos são redigidos num idioma
diferente, chamado português corporativo. Uma língua tão
complicada que não é falada, é apenas escrita. Para
facilitar, vou lhe dar quatro exemplos de coisas simples,
que fazemos todos os dias, mas que ganham uma nova dimensão
quando são escritas em português corporativo. Primeira.
Implementar a substituição estratégica de equipamento
periférico, gerando alto grau de luminosidade adequada ao
ambiente criativo. Isso significa “trocar a
lâmpada queimada do banheiro”. Segunda. Avaliar as vantagens
da implantação imediata de um programa emergencial de
governança financeira doméstica balanceada. Ou seja, parar
de estourar o cheque especial. Terceira. Estabelecer
prioridades energéticas operacionais em detrimento de
impulsos que possam redundar em um processo de surplus
calórico. Tradução, não comer doce fora de hora. Quarta.
Esquematizar a agenda de atividades de maneira a criar um
gap vital para o atendimento imediato às demandas biológicas
essenciais. Em português normal, tirar um cochilo depois do
almoço. Por isso, caro Amélio, não se preocupe. Sua empresa
continua a mesma que era antes. Em sua nova função, você
apenas ganhou o direito de complicar. Por isso, relaxe e
complique. Porque, se você mostrar competência para
complicar, será promovido a gerente.
Se você não puder ser o melhor,
seja diferente
ENTREVISTA DE EMPREGO, TODO MUNDO SABE, É AQUELA
CERIMÔNIA em que o entrevistador faz sempre as mesmas
perguntas e o entrevistado dá sempre as mesmas respostas e
os dois fazem de conta que nunca tinham ouvido nada daquilo
antes. Por isso, uma resposta diferente é algo que a gente
não esquece mais. Eu estava uma vez entrevistando um
candidato e perguntei para ele: “Qual é o nível do seu
inglês?”. E ele me respondeu: “Bom, eu sou capaz de pensar
fluentemente em inglês. Meu problema é só na hora de
verbalizar”. Eu então estendi uma folha de papel em branco
para o candidato e pedi para ele pensar alguma coisa em
inglês e depois escrever no papel. E ele me disse que aquele
era o problema. Ele só pensava fluentemente em inglês, mas
não conseguia falar nem escrever. E aí eu pensei: “Esse cara
é um blefe, é um mentiroso que está me fazendo perder meu
tempo”. E eu disse para o candidato: “Certo. E qual é mesmo
a sua formação acadêmica?”. Ou seja, eu havia pensado
fluentemente em português, mas tinha verbalizado meu
pensamento de uma maneira completamente diferente. Nem ouvi
a nova resposta que o candidato estava dando, porque algo
importante estava acontecendo em minha cabeça. De repente,
tinha percebido que eu também era fluente, não só em inglês,
mas em qualquer língua do mundo, incluindo o chinês, o latim
e o sânscrito. Mais que isso, eu era fluente em qualquer
filosofia e sabia a resposta para qualquer pergunta. Mas só
em pensamento. Na hora de eu dizer o que tinha pensado
sempre saía alguma outra coisa, como se minha laringe e
minhas cordas vocais tivessem vida própria e independente.
Eu ouvi milhares de respostas de candidatos na vida, mas me
lembro exatamente daquela. E acabei Contratando aquele
candidato, porque ele me havia ensinado uma grande lição: se
você não puder ser o melhor, ao menos seja diferente.