Criatividade

 

Max Gehringer

 

 

 

O que é ser criativo?

 

HOJE EM DIA, QUANDO UM CANDIDATO A EMPREGO É ENTREVISTADO há uma palavrinha mágica que sempre é mencionada na entrevista. Criatividade. O interessante é que é quase impossível encontrar algum candidato que não se ache criativo. Mas existe um par de perguntinhas práticas que resolvem a situação. Se você está empregado, este é um bom exercício para testar sua criatividade. Vamos lá. Qual foi a última ideia que você teve e que foi aprovada e implantada? Quando isso aconteceu? Se foi há mais de três meses, já está na hora de ter outra ideia. Se já faz um ano, das duas uma: ou você está num período de crise criativa, ou está trabalhando em uma empresa que não gosta de novas ideias. Existem empresas assim? Claro que não. Mas existem empresas mais conservadoras, e elas têm pavor de ideias radicais. Só que isso está longe de ser um problema. Porque criatividade não é ter uma grande ideia que vai mudar o mundo. É ter ideias pequenas e simples, mas constantes, que vão mudando a empresa sem que quase

ninguém perceba que isso está acontecendo. Então, na maioria das empresas brasileiras, ser criativo não é ser um gênio. É ser só um pouquinho diferente. E olhar para as mesmas coisas de sempre, para a velha rotina, só que de um jeito novo e um pouquinho diferente. E saber questionar sem assustar. Logo, vamos voltar às três perguntas iniciais: Você é criativo? Qual foi a última pequena ideia que você teve e que foi aprovada e implantada? Quando isso aconteceu?

 

 

 

A diferença do enrolador e do criativo

 

UM DOS DESAFIOS DE QUALQUER EMPRESA É DAR ESPAÇO PARA QUE seus funcionários mais criativos possam ter ideias. O problema é que muitos desses funcionários, que seriam capazes de contribuir com ótimas sugestões, não têm a palavra “criativo” escrita na testa. Muitas pessoas criativas, na verdade, nem parecem criativas. Muitas delas são tímidas e precisam ser incentivadas a sair da casca e mostrar sua criatividade. Por outro lado, existem funcionários que têm o dom da palavra e enrolam todo mundo com uma incrível facilidade. Mas não sabem pensar. Para sobreviver profissionalmente, o enrolador tem que sugar as ideias alheias e apresentá-las como se essas ideias fossem dele. Pior, quando o enrolador e o criativo se defrontam, a impressão que fica é que o enrolador é criativo e que o criativo é um incapaz. Na maioria das empresas, para cada funcionário genuinamente criativo, porém enrustido e apagado, há pelo menos três genuínos enroladores que aparecem muito e brilham mais ainda. Para entender como isso funciona, basta traçar uma espécie de linha de geração de boas ideias e colocar num extremo dela o criativo e, no outro extremo, o enrolador. Agora, é só pegar a linha e transformá-la em uma ferradura. O funcionário normal ficará lá no alto, no centro da curva, enquanto os extremos, lá em baixo, quase se tocarão. Assim, o enrolador e o criativo estarão muito mais próximos um do outro do que das pessoas normais. E é exatamente essa proximidade que confunde as empresas, e elas ficam sem saber em que extremo da ferradura estão as pessoas que realmente poderiam contribuir com as melhores ideias. Por isso, não raramente, os enroladores acabam sendo tratados como se fossem criativos. E os criativos são tratados como se fossem enroladores.

 

 

Ideias boas e simples

 

CRIATIVIDADE E SIMPLICIDADE SÃO DUAS PALAVRAS QUE ESTÃO FICANDO cada vez mais distantes uma da outra. A maioria das pessoas acredita que uma ideia criativa e original deve, necessariamente, ser complicada. Porque, se for simples e óbvia, nem será levada em consideração. Há alguns anos, eu participei de um seminário de criatividade. Éramos uns 30 participantes, e cada um recebeu um pedacinho de arame, com 13 centímetros de comprimento. O trabalho consistia em fazer alguma coisa criativa com aquele arame. Menos de cinco minutos depois, todos os participantes, sem exceção, apresentaram orgulhosamente a originalíssima ideia que tinham tido. Exatamente a mesma ideia. Um clipe. E todos ficamos olhando uns para os outros, surpresos. O clipe é o triunfo da simplicidade. São apenas oito dobras fáceis. Que podem ser feitas à mão, sem auxílio de nenhum aparelho. E sem necessidade de experiência prévia, nem de conhecimento específico. E, melhor, sem praticamente nenhum custo. Nenhuma outra invenção humana tem uma relação de custo e benefício melhor que a do clipe. Ele foi inventado em 1899 por um norueguês chamado Jan Vaaler. E, até hoje, não foi criado nada melhor para substituir um clipe. Anualmente, são produzidos no mundo 20 bilhões de clipes, três para cada terráqueo. Como a humanidade produz documentos em papiro ou em papel há pelo menos três mil anos, é espantoso que tanto tempo tenha sido gasto costurando, amarrando, ou colando folhas de papel, antes que alguém tivesse tido uma ideia tão simples e tão iluminada quanto a do clipe. Por algum motivo, nós, do século XXI, associamos a criatividade à complicação. Nas empresas em que trabalhamos, muitas ideias novas e simples estão debaixo de nossos narizes. Mas nós as descartamos, ou nem as notamos. Apenas porque nos recusamos a acreditar que uma grande ideia ainda possa ter a simplicidade de um clipe.

 

 

O criativo não precisa ser um gênio

 

NUMA EMPRESA EM QUE EU TRABALHEI, NÓS TÍNHAMOS, UMA VEZ POR ano, um Seminário de Criatividade. Juntávamos pessoas de várias áreas e simplesmente deixávamos que elas pensassem, conversassem e discutissem. Não havia um método, e sequer existiam objetivos pré-definidos. Mas muitas ideias ótimas, de reduções de custo ou de aumento de produtividade, saíram desses seminários. A única recomendação que nós dávamos aos participantes era a de pensar simples. Não estávamos esperando ideias mirabolantes, que iriam requerer milhões em investimentos. Estávamos interessados naqueles pequenos aperfeiçoamentos, que, somados, podiam render um caminhão de dinheiro no fim do ano. Por isso, o símbolo que escolhemos para o Seminário foi o botão. A origem dos botões remonta quase à Pré-História. Durante milhares de anos, os botões foram pregados nas roupas para servir apenas como enfeite. Mais tarde, começaram também a identificar os postos dos militares. Foi só no século XVIII que alguém olhou para um botão, pensou um pouco, e teve uma ideia brilhante. A casa do botão. Um simples corte no tecido. E foi aí que o botão finalmente ganhou sua aplicação prática. Abotoar. Hoje, quem olha para um botão demora um pouco até se convencer de que foram necessários milênios de história até alguém ter uma ideia tão simples, e tão óbvia, como a casa do botão. E esse era exatamente o espírito de nossos Seminários. Nós queríamos apenas que nosso pessoal olhasse para as coisas óbvias da empresa, como se as estivessem vendo pela primeira vez. E enfatizávamos que o criativo não precisa necessariamente ser um gênio. Só precisa enxergar o que qualquer pessoa normal poderia ter enxergado. Como, por exemplo, a casa do botão.

 

Do livro " O melhor de Max Gehringer na CBN - Volume 1".

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