O ATLETICANO NO ÁRTICO

 

Parte 2

 

Cristiano de Oliveira

 

 

 

Saudações, Alvinópolis do festival de música.

 

Por muito, muito pouco, eu não precisei do auxílio de um médium pra escrever essa coluna. Depois do segundo jogo do Galo contra o Tijuana, eu contemplei a ideia de ter meus textos psicografados pro Alvinews, pois achei que a casa estava definitivamente caindo pro meu lado.

Eu imagino que a situação no Ninho da Águia não deva ter sido muito diferente. E tenho certeza de que, se a imprensa tivesse colocado repórter de plantão no João XXIII, ia registrar 800 casos de ataque do coração. Mas pra mim foi especial porque foi a primeira vez que eu fiquei RUIM, mas ruim mesmo, em um jogo do Galo.

Ocorre que cheguei ao bar da Dona Graça e não comi nada, com medo do jogo começar e eu perder algum lance por estar catando milho e batatinha palha que caiu do x-egg-bacon. O jogo foi ficando tenso, e eu bebendo sem nem ver. Quanto mais tenso, mais eu vou virando as long-necks de 10 reais cada uma. E Dona Graça treinou as garçonetes pra ficarem de olho na cerveja do povo: chegou perto do fundo da garrafa, elas já oferecem outra. Igual garçom de casamento. Dado o nível de tensão do jogo contra o Tijuana, cê já imagina o quanto eu deixei ali naquele bar, né? Só não deixei a calça porque não arrumei ninguém ainda pra dar dinheiro naquilo.

 

Era uma noite de temperatura agradável, e Dona Graça abriu a enorme porta vertical na frente do bar... Aliás, como é o nome desse tipo de porta? Aquelas de açougue, sabe? Que você joga pra cima e ela enrola no teto? Pois é, tem uma dessas lá, só que transparente. Estava fazendo um ventinho até bom. Mas eis que se ouve o canto doce da RÔIA! Dois caminhões de lixo param bem em frente ao bar, bem em frente à portona aberta. Enquanto alguns lixeiros pegavam o lixo da área toda, os outros foram ali perto tomar um café. E o caminhão ficou ali, e a brisa levando aquela maresia pra dentro do bar. O Tijuana dando um vareio no Galo e o fedorzão do lixo acabando com a torcida. Daí veio o pênalti e o bar ficou mudo. A única frase que se ouvia era “Dona Graça, vê quanto deu a minha aí?” Todo mundo pagando rápido pra poder sumir dali. Eu lá, de crista na cabeça, olho na televisão e mãos cobrindo a cara e especialmente o nariz, porque a maré do caminhão estava de lascar o cano.  

 

Quando Vitor defendeu aquele pênalti, eu caí pra trás. Um cara atravessou as quatro pistas da rua, ida e volta, sem olhar, pulando com a bandeira do Galo. Depois da pulação e dos abraços, eu fui pra varanda do bar, e fiquei ouvindo a Itatiaia no celular e andando pra cima e pra baixo, rodando no meio daquele cercadinho. Juntou a tensão, andar em círculos com radinho na orelha, a crista do Galo dando uma suadeira danada na minha cabeça, e o caminhão de lixo que continuava de amargar... Quando notei que a minha pressão estava despencando, só deu tempo de correr pro banheiro, pra não dar trabalho pra ninguém. Ô ideia fraca... O chão do banheiro parecia o Rio Arrudas. Cair ali só me dava duas alternativas: ou eu morria da queda, ou morria contaminado. Encostei na parede, branco igual cera, e lembrei uma cena que vi no jornal uma vez, de um cavalo que caíra dentro de uma fossa e um bombeiro revoltado que teve que pular lá dentro pra ajudar a salvar, enquanto a bombeirada toda rachava de rir. Na hora eu só não sabia se eu era o cavalo ou o bombeiro, mas a fossa já tava garantida. Aguentei de pé, mas ao sair do banheiro naquela palidez, não escapei da risaiada do povo, perguntando se eu tinha resolvido usar a máscara do Pânico depois que o jogo acabou.

 

 

Bom, voltemos então a mais essa viagem da bandeira viajante do Galo que comecei a descrever na coluna do mês passado, como sempre em nome do projeto MIDÁ O GALO DE PRATA (Momentos Inesquecíveis Do Atleticano Objetivando Galo de Prata).  Dessa vez, a bandeira visitou Yellowknife, a capital canadense mais próxima do Círculo Ártico. Uma viagem especial, pois ela representa o propósito original do projeto: como contei logo na minha primeira coluna no Alvinews, esse projeto nasceu em uma conversa minha com Magela, tomando cerveja no Ninho da Águia, e a ideia inicial àquela época era simplesmente ir ao ártico com a bandeira.

 

Pois bem. Cheguei a Yellowknife e já levei na testa. O meu grande erro foi subestimar o turismo da cidade. Achei que ninguém era doido de fazer turismo num lugar onde a temperatura ao meio-dia, com sol, era de -20 graus, e à noite chegava a -50.  Ledo engano: o lugar fica lotado de japoneses. No hotel, tudo era escrito em inglês e japonês. Tentei andar de trenó de cachorro e pescar no gelo, mas já estava tudo reservado há meses. No desespero pra fazer alguma coisa diferente, tentei até alugar um snowmobile (aquelas motos de andar no gelo), embora não tenha o menor interesse em peste de snowmobile. Mas nem isso eu consegui. Só me restou bater perna pela rua, ver aquela turistada e refletir profundamente sobre a pergunta eterna: por que turista japonês sempre tira foto fazendo V com os dedos da mão?

 

 

Ah, mas à toa, eu não fiquei. Ocorre que o grande evento anual da cidade estava acontecendo exatamente naquele fim de semana: o Festival da Ceroula! É sério, tô de sacanagem não. É o Long John Jamboree, a celebração da ceroula de corpo inteiro. Ceroulão lá é igual vaca na Índia, jovem. É sagrado. Segundo o povo local, sem a ceroula, a vida naquele cafundó é altamente mais ou menos. Achei divertido e fui comprar uma pra mim, pra guardar de lembrança, mas voltei no mesmo pé: R$ 350 por uma ceroula? Mas nem se ela tiver braguilha com controle remoto e isolamento acústico na parte de trás. Ô terra das coisas caras. Sinto muito, mas encarei o frio com cuecão da Lupo mesmo.

O festival acontece bem em cima do lago congelado. Até o estacionamento do festival é em cima do lago. É tranquilo, você nem nota... até passar um caminhão do seu lado. Aí você escuta aquele barulhinho de gelo trincando e a neurose começa. A certeza de que aquela porcaria ia afundar comigo em cima, e ainda chega um cara pra montar barraquinha de quermesse onde eu estava. De que jeito se monta barraca em cima do gelo? Rá! Igual acampar no mato: o elemento levou a marreta no espeque da barraca e pá, pá, pá... A marreta cantando, e o gelo trincando, e o vento assoviando: “rôôôôia... rôôôia...” E não tenta correr não, porque escorrega.

 

 

Entre as atrações do festival, três campeonatos chamaram a atenção: o de esculturas de gelo, o de corrida de trenó de cachorro, e... o grande campeonato de deixar a barba crescer. É sério, os caras tiram foto dois meses antes do dia do festival, com a cara limpa. Chega no dia, quem tiver a barba maior e mais doida ganha. Eu tirei foto dos dois primeiros campeonatos. Desse da barba, nem cheguei perto. É desaforo: o cara dá quase dois mil contos numa passagem aérea pra chegar lá e ver barba? Eu cresci brincando com Falcon, vendo Trinity na televisão, Olivera na zaga do Galo e D. Pedro II nas notas de dez cruzeiros. Caçar mais barba pra quê?

Mês que vem eu conto mais. Não acabou não, viagem minha tem mais bomba que o quarto de empregada do Bin Laden.

 

Apita Antônio Barcelos Filho, errrrrrrrrgue os braços.

 

PS. O Luiz Agnelo é alvinopolense e levou uma bandeira do Galo pra Lake Louise, aqui no Canadá, e me enviou. Mais um alvinopolense levando a bandeira do Galo pelo mundo. Valeu Luiz.

 

 

 

Cristiano de Oliveira é mineiro de BH, residente em Toronto no Canadá. Já visitou Alvinópolis inúmeras vezes.

Contato :

 

Colunas anteriores