O ATLETICANO ESQUIADOR
Cristiano de Oliveira
Saudações, Alvinópolis do Carnaval na chuva
Pode ter chovido até empenar as portas: tudo que eu queria
era ter passado o Carnaval aí em Alvinópolis. Permitam-me um momento de poesia:
Enquanto olhava as fotos do Carnaval no Alvinews, em
meu ombro sentou-se um anjo
Com a cara de Zé Geraldo, com bigodão e tudo, ó que
sujeito sisudo,
Ele tocou sua lira (anjo não toca bandolim)
E em minha orelha, bem alto, cantou assim:
“Tudo isso
acontecendo e eu aqui na praça, dando milho aos poooooombos”.
Ô penitência que é passar Carnaval nessa miséria dessa
terra. Não é feriado. Não tem desfile, não tem nada na rua. Tem uma festa da
comunidade brasileira no sábado, em um salão fechado, o ingresso custa uns 40
dólares, a cerveja canadense (quente como sempre) custa $5 e para de vender
bebida às duas da manhã, quando as luzes do salão se acendem e é hora do povo
ir se lascar pra lá, porque a festa acabou. Aí o macabeu fica de sábado até
quarta-feira naquele fracasso: abre e-mail, Orkut, Facebook, Mural do Alvinews,
caixa de correio, gaiola de pombo... Nada! Nem um recadim. Ninguém nem chega
perto de internet no Carnaval. Nem propaganda chega. Só silêncio. E aí vem o
golpe de misericórdia: na quinta-feira de Cinzas, corre a notícia de que teremos
um show brasileiro por aqui em abril: Nilton César!!!!! “Receba as flores que
lhe doooooooou, em cada flor um beijo meeeeeu...” É de lascar o cano e faltar
corrente na bobina, jovem. É pra acabar de enterrar. Como é que você mexe com
Carnaval em uma terra onde só dá quaresma?
Bom, pra tentar parar de pensar na minha cerveja gelada no
Ninho da Águia, eu resolvi ocupar a cabeça e fui levar minha bandeira do Galo
pra passear. Foi aqui perto mesmo, mas ao menos ela viveu um momento diferente
na vida. Antes de continuar lendo, descubra você mesmo o que eu fui caçar:
Não pense que eu já sabia esquiar e estava só esperando o
momento certo pra fazer graça não! Eu nunca tinha subido nessa peste desse
esqui. A primeira vez foi no sábado de Carnaval. Acho que a vontade de ganhar o
Galo de Prata é tão grande que eu aprendi mais depressa só pra poder descer com
a bandeira logo.
Esse lugar se chama Blue Mountain, e é uma estação de esqui a
duas horas daqui. Cheguei lá na sexta-feira à noite num mau humor danado.
Véspera de Carnaval no Brasil, e eu já comecei a azedar no hotel. Esse frigobar
faz barulho (além de estar vazio – hotel canadense é osso!), esse colchão tá
afundando, esse travesseiro é murcho, o aquecimento faz barulho, tô escutando o
povo do quarto de cima... E ainda não tinha café da manhã no hotel.
Aliás, não
é a primeira vez que eu concluo isso: hotel no Canadá é a maior furada que
existe. Caro e ruim. Eu não preciso de luxo, mas ao menos um café da manhã com
aqueles presuntinhos enrolados tem que ter! Pois em todo hotel que eu fico, só tem
uma cafeteira elétrica no próprio quarto. A comida, você que se vire pra
arrumar em algum lugar. Ao lado da cafeteira sempre ficam dois ou três saquinhos
de pó de café. Bom, eu digo “pó de café” pra ser educado, porque o certo seria “brita
de café”. Ele é moído tão grosso que dá pra misturar com cimento e levantar uma
parede. O café é fraco, ruim, e depois de encarar um negócio desse você ainda
tem que sair na rua procurando pão de sal com manteiga e presuntinho enrolado
dentro.
Bom, no sábado o tempo estava nublado, e logo começou uma
tempestade de neve de amargar. O povo que aluga os esquis estava até
distribuindo capas de plástico para serem usadas por cima dos casacos. Não
gostei da ideia: se só com o casaco já ia ser difícil mostrar a camisa do
Alvinopolense que estava por baixo, imagina com uma capa de plástico por cima?
Mas no fim foi bom, porque as áreas que a capa não protegeu ficaram
encharcadas. A neve cola na gente e vai derretendo, deixa o camarada ensopado.
E foi debaixo de toda aquela neve que eu fui fazer aulinha
de esqui. Primeiro, a gente aprende a andar, depois a andar em círculos, e
depois a descer um barranquinho bem sem-vergonha. Aí vem a pista das crianças,
e depois a penúltima pista do nível iniciante. Passei 6 horas sem intervalo
nesse processo aí. Por incrível que pareça, só caí uma vez. Mas como sempre,
mesmo que eu só caia uma vez, essa única vez tem que ser uma roubada bem
grande, né? Pois não foi simplesmente uma queda. Foi uma entrada direta na
árvore que ficava ao lado da pista. Sorte que eu desabei na neve antes de
abraçar a árvore. Só tomei uma espetada de galho de pinheiro na cara.
No domingo, mais uma esculhambação do hotel canadense: além
de não ter café da manhã, a diária vence às 11 da manhã. Com isso, eu tive que
jogar as malas no carro (alugado, porque eu sou rapaz de poucos recursos e não
posso comprar carro. E aqui não vende Variant nem Fiat 147), sair atrás de
comida, e depois trocar de roupa dentro do carro pra poder esquiar de novo. Ao
menos não havia risco de o povo me ver pelado dentro do carro, pois a nevasca
da noite anterior soterrara o carro, e de fora não dava pra ver nada lá dentro.
A neve grudou na janela. Deu um trabalho do cão pra limpar antes de pegar a
estrada de volta, mas ao menos serviu de cortininha pra poder trocar de roupa
lá dentro.
E lá fui eu para encarar a última pista do roteiro de
iniciantes. Essa já é mais brava: pra chegar lá em cima, ao invés de pegar a
esteira rolante usada nas outras pistas, você tem que pegar aqueles teleféricos
que a gente vê na televisão. Parece lindo, né? Pois é, só que é uma roubada sem
fim. Pra se posicionar na área de embarque, você vem escorregando todo
desorientado com seu esqui e tem que parar certinho na linha vermelha. Se
passar dela, corre o risco de tomar uma lapada de teleférico na orelha, pois
ele não para pra embarcar não! Se você, por um milagre, consegue parar no lugar
certo, a cadeirinha vem por trás, bate nas suas pernas e você já cai sentado
nela. Cristiano, muito apavorado, conseguiu se sentar no teleférico, mas o
medão era tanto que não reparou que precisava baixar a barra de segurança que
fica em cima da gente. Acho que só não caí porque fiquei completamente paralisado
em cima daquela cadeira.
Pra sair do teleférico, é preciso tomar um impulso e sair
esquiando rápido, pois o condenado não para pra você descer não. Obviamente, eu
já saí direto pro chão. Pra completar o forró, um casal vinha na cadeirinha
logo atrás. Como não havia sinal de Animais na Pista, eles não conseguiram
desviar do boizão brasileiro estatelado no chão e já caíram por cima. Depois eu
até aprendi a sair do teleférico sem cair, mas estranhamente não consegui sair
do teleférico sem rodar! É sério, eu até saía em pé, mas esquiava meio metro,
tentava fazer a curva e acabava rodando quase 360 graus em pé no mesmo lugar,
quase causando os mesmos acidentes de antes, só que de uma forma 500 vezes mais
esquisita. Imagina o esquiador experiente descendo do seu teleférico e dando de
cara com um brasileiro rodando em cima de um esqui?
Fiz seis tentativas de descida na última rampa. As cinco
primeiras tiveram capotes históricos. Caí de costas, de cara, rodei e caí... o
duro depois de cada tombo era achar os pauzinhos. A cada tombo, eles voavam da
minha mão e eu tinha que sair procurando no meio da rampa.
Mas na última tentativa, usando várias manobras de redução
de velocidade, consegui completar o circuito sem cair. Ao chegar lá embaixo,
entretanto, fui informado de que a tática de redução de velocidade funcionou
tão bem, que umas três pessoas que vinham atrás de mim caíram ou se jogaram na
neve pra evitar um atropelamento. Em outras palavras: o esqui é um esporte
estilo Neto Berola, e Cristiano é um esquiador estilo Daniel Carvalho.
Mas no fim, eu aprendi a esquiar e a bandeira do Galo ganhou
mais um momento histórico para constar do projeto MIDÁ O GALO DE PRATA
(Momentos Inesquecíveis Do Atleticano Objetivando Galo de Prata). E de quebra, ao
menos por dois dias, parei de pensar no Carnaval de Alvinópolis que eu perdi.
Então é isso. A vida continua aqui em Quaresma City, e daqui
eu mando o meu abraço a todos vocês, e muito especialmente àqueles que, entre
um xingamento de Ciloca aqui e um desfile de Leleco ali, lembraram-se da minha
pessoa durante o Carnaval.
Apita Antônio Barcelos Filho, errrrrrrrrrrrgue os braços.
Cristiano de
Oliveira é mineiro de BH, residente em Toronto no Canadá. Já
visitou Alvinópolis inúmeras vezes.
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