UM ATLETICANO FUGINDO NO FRIO
Cristiano de Oliveira
Saudações, Alvinópolis do
Carnatal
(Fico aqui me perguntando o
que será um Carnatal. Vai ter trio elétrico no Natal? Se for
ter mesmo, pode abrir o olho, pois no Carnaval passou um
caminhão de leite na baixada em plena noite de terça-feira e
quase carregou a turma que tomou uma cajibrina a mais. Então
cuidado, pois no meio da festa, se alguém gritar “olha o
leite”, é tragédia na certa. Acaba a festa. Pior do que
gritar “olha a Kombi!”.)
Finalmente é dezembro, e
finalmente eu estou descendo a serra e indo pra casa. Não me
venha com essa de Natal na neve, Natal no frio, que bonito,
que beleza... Não quero saber não, Natal é com vó. Pode
nevar até dinheiro: Natal sem ver vó eu fico doido.
Portanto, quando você estiver lendo isso, eu já vou estar lá
em casa correndo atrás do meu cachorro. Esse ano não devo
poder ficar até o Carnaval de novo, mas o pouco que der pra
ficar pra mim já é abençoado.
Por falar em baixada, apareceu
uma pergunta no mural outro dia sobre limpeza urbana aqui no
Canadá. Bom, não posso falar sobre o país inteiro, mas
Toronto vive de uma fama antiga de ser muito limpa. Isso já
ficou no passado, mas ainda assim, dá pra encarar. A cidade
é muito sem graça, mas quanto à limpeza não há grandes
problemas. A limpeza das ruas aqui é feita por um trator com
umas escovonas na lateral. Ele vai passando e a escovona vai
“varrendo” a rua. As calçadas são de responsabilidade do
proprietário do imóvel em frente a elas. Se eu não limpar a
neve na calçada em frente à minha casa e alguém escorregar
ali e se machucar, a pessoa pode me processar. Recentemente
a prefeitura distribuiu latões de lixo especiais para as
residências. São caixonas de plástico com rodinhas e com um
encaixe especial para o elevador que fica na traseira do
caminhão do lixo. O lixeiro acopla o latão do lixo no
elevador, que levanta a lata e despeja o conteúdo dela
dentro do caminhão. Só que há de se lembrar que aqui não tem
morro. Tudo é plano. Imagina esse sistema em Belo Horizonte?
Todo dia uma lata de lixo ia rolar morro abaixo. A coleta do
lixo orgânico é feita uma vez por semana. Lixo reciclável e
lixo comum são recolhidos uma vez a cada duas semanas. Antes
do sistema dos latões acopláveis, os lixeiros faziam uma
porqueira terrível aqui no meu bairro, onde a maioria dos
moradores são imigrantes, e portanto a cidade não tem lá
grandes interesses em manter bonitinho. Uns quatro anos
atrás, a gente andava na rua em dia de coleta de lixo no
verão e dava vontade de vomitar. A rua era só mosca e aquela
maresia de lixo espalhado na rua, fermentando no calor.
Agora isso acabou, o único problema foi quando os lixeiros
entraram em greve, no ano passado. Os parques da cidade
viraram lixões, deu uma encrenca terrível. A cidade teve uma
infestação brava de ratos. Éééé, pra você que gosta muito de
babar ovo de gringo e falar que o Brasil é péssimo e que o
primeiro mundo é que é lindo... Tome aqui um rato pra você.
Bom, a desorientação está alta
com a viagem se aproximando, a conversa hoje tem que ser
mais ligeira. Só de pensar em contar história de frio, de
inverno, de torcida do Cruzeiro me dando trabalho... Só de
pensar nisso tudo eu já desanimo. Só quero ir pra casa. No
momento há uma praga de percevejos aqui na cidade (os
chamados “bedbugs”), tá todo mundo com medo de pegar. Se sua
roupa pega esse bicho e você o leva pra dentro de casa, está
lascado. Nada mata o capeta do percevejo, e ele pica mais
que pernilongo. Não há dedetização conhecida que elimine o
problema em uma aplicação, é um tratamento longo, e o
tristonho ainda se esconde em frestas da madeira. Tem gente
que chega a jogar o colchão fora, e ainda assim, quando
compra um novo, o mofino sai da madeira e vai morar nele
outra vez. Agora pense comigo: enquanto isso, no Brasil, há
uma praga de cervejas geladas assolando a população. Há uma
praga de quibes de vó (a família é libanesa) atacando lá em
casa. Vou fazer o que aqui? Já deu 45 do segundo tempo,
Miau, pode apitar que acabou.
Sábado passado eu fui despedir
da Dona Graça. Achei estranho, pois era meio-dia, não tinha
jogo, mas o bar estava lotado. Tinha só uma mesa vazia. As
personalidades mais famosas do futebol e da cachaçada na
comunidade brasileira estavam lá. Um frio de -2 graus do
lado de fora, e aquela turma toda ali. Em pleno sábado de
inverno? O dia em que o cara não sai de casa nem por
decreto? Estranho. Só depois de muito tempo é que eu fui
descobrir que Dona Graça ia servir uma feijoada de graça pro
pessoal e a turma já estava fazendo fila (é como eu já
disse: pra vender long neck a 5 dólares, cê tem que encher o
freguês de agrados). Pra completar a festa, um camelô entrou
no bar vendendo helicópteros de controle remoto. Não falava
uma palavra de português. A turma fuçou tudo que havia na
sacola dele, comprou um monte de coisas, e eu não sei não,
mas de onde eu estava, fiquei com a impressão de que
clientes e vendedor até tentaram conversar, mas ninguém
entendeu nada que o outro falou.
Por falar em Dona Graça, fui
sequestrado pela torcida do Fluminense durante a última
rodada do campeonato, e me obrigaram a comemorar o título
com eles. Eu me recusei, pois afinal eles estavam fazendo a
maldade de tirar o título do Cruzeiro, mas não houve
negociação. Fui atacado e tive que tirar foto com a bandeira
e tudo. E ainda fui obrigado a tomar várias cervejas de
graça.
Bom, agora a temperatura
despencou de vez, hoje chegou a -24, nem respirar na rua eu
tava dando conta. E o aquecimento na casa é muito forte, não
notei o frio que fazia lá fora e saí de cabelo molhado. Meu
cabelo congelou. E como se não bastasse, o curioso ficou
fuçando no cabelo congelado até quebrar. Tem até um pequeno
caso de frio aqui que eu vivi semana passada, mas vou
empurrar pra próxima edição. Já falei que a conversa hoje
tem que ser rápida, tem mala pra fazer aqui e eu tô
estressado. Só agora lembrei que minha mala não tá fechando,
pois eu trouxe quatro queijos frescal dentro dela uma vez e
a mala chegou arrombada. Gozado que eles não tomaram meu
queijo, abriram só pra ver mesmo. Bom, ao menos foi melhor
que um amigo meu, que trouxe um berimbau e cinco garrafas de
cachaça (só é permitido trazer uma). Ficou preso na
fiscalização, e eu fiquei esperando o cara do lado de fora.
Daí a pouco ele sai de lá trazendo tudo, nada foi retido.
Perguntei como, e ele disse: “Falei pros caras que o
berimbau é um instrumento de corda, e que aquelas garrafas
eram de óleo de lubrificar corda de berimbau. Inclusive a
que tem uma mulher pelada no rótulo.”
Chega desse assunto. Vou
encerrar logo, deixando não uma história, mas uma lembrança
para o Projeto MIDÁ – Momentos Inesquecíveis do Atleticano,
resgatando a memória do torcedor e visando clara e
descaradamente a conquista de um Galo de Prata pela minha
pessoa. Às vezes tem historinhas, às vezes são casos curtos
que eu tô com medo de esquecer. Mês que vem eu conto uma
melhor. Eu ia contar a história que prometi ao André na
coluna passada, mas a correria aqui tá grande, tenho que
encurtar essa prosa, mês que vem eu conto aquela.
Em 2009 jogaram Atlético e
Avaí, e no dia do jogo eu estava me preparando pra deixar o
trabalho e ir pra casa assistir. De repente, chega a notícia
de que a cidade estava sob alerta de tornado. Eu custava a
acreditar naquilo: em quase oito anos de Canadá, eu nunca
tinha visto tornado. Vi muita gente parecida com o Tony
Tornado, mas o tornado mesmo, aquele furacão, esse eu não
vi. E o infeliz tinha que baixar exatamente em dia de jogo
do Galo? Eu olhava da janela e o vento chicoteava. Na
internet, a gente via notícias de casas em bairros mais
afastados que tiveram seus telhados arrancados. A chuva caía
desorientadamente. Não era um tornado daqueles de filme,
provavelmente era só a rabeira dele. Mas já fazia um aranzel
considerável na rua.
Pois bem. Em mais um dos meus
gloriosos momentos, em nome de um jogo contra a
poderosíssima equipe do Avaí, eu botei meu casaco e saí
correndo pela rua afora no meio do tornado, esperando pegar
o bonde (o BONDE, preste atenção. É sério, é um ônibus
elétrico de mil novecentos e Princesa Isabel, o cabo dele
vive caindo do fio, o motorista tem que parar pra arrumar).
No bonde lotado, a maré de cachorro molhado era brava. Todo
mundo com aqueles casacões que passaram o verão inteiro
guardados, e que agora, de repente, estavam na rua de novo e
tomando chuva. Cheiro de jaula de hipopótamo no zoológico.
Quando cheguei em casa, acho que nem minha cueca estava
seca. Mas que eu vi meu jogo, ah isso eu vi.
Roberto Drummond um dia disse
que “se houver uma camisa branca e preta pendurada num varal
durante uma tempestade, o atleticano torce contra o vento”.
Pois havia, sim, uma camisa branca e preta pendurada. Estava
pendurada em mim, e o único atleticano que tinha ali pra
torcer contra o vento era eu. E o vento ganhou.
Ave Maria. Eu falei, falei,
falei quinhentas vezes em encurtar o assunto, tô com pressa,
etc etc... A coluna acabou no mesmo tamanho das outras. Ah,
não dá não.
Vou começar a mandar o texto
dessa coluna por telegrama.
“Saudações pt Bar D Graça jogo
Galo pt czerenses zoação minha crista Dadá M pt brahma cara
vg impossível beber pt apita ABFilho ergue braços”
E assim encerramos mais um ano
de prosa aqui no Alvinews. A todos vocês, o meu muito
obrigado pela preferência de sintonia. Ano que vem tem mais,
se Deus assim o permitir. E que 2011 traga muita coisa boa
pra Alvinópolis e pra todos nós. Um bom Natal pra todos e em
janeiro eu volto, transmitindo diretamente lá de casa, de
bermuda, sem blusa de frio... É tão bom que chega a dar até
medo.
Apita Antônio Barcelos Filho,
errrrrrrrrrgue os braços!!
Cristiano de
Oliveira é mineiro de BH, residente em Toronto no Canadá. Já
visitou Alvinópolis inúmeras vezes.
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