No luto – as marcas de Alvinópolis

 

 

Ana Teresinha Drumond Machado

 

 

 

 

O coração se esvazia na dor da ausência. Tudo fica tão estranho, por mais que estejamos cercados de amigos e de outras companhias. Bate uma saudade amarrada, engasgada com a sensação de que nunca vai passar – será eterna. Somos levados a conviver com a ausência, mas não esquecemos, não deixamos de sentir falta… as memórias permanecem, o peito aperta em cada lembrança, e só o tempo mesmo é o instrumento adormecedor da separação irreversível.

 

A morte se faz presente no diário, no cotidiano. Ela é uma realidade da qual ninguém pode fugir, nem mesmo poderosos, reis, príncipes, podendo também, infelizmente, alcançar-nos a qualquer momento. E, quando ocorre, esse triste evento abre em nós chagas profundas.

 

Enlutadamente, minha manhã foi de alegria e de grande comoção ao presenciar a nobreza do cortejo fúnebre de Maria Elisa - Lilisa – filha do simpático amigo  carpinteiro  Zé Clemente e de Dona Marta.

 

Lilisa participando do Reinado.

 

No início das primeiras horas de o amanhecer, em plena segunda-feira de trabalho, uma multidão de amigos sobe, a pé, em manifestação de despedida a quem com reconhecidas simplicidade e humildade, brincou, dançou de baiana carnavalesca, bebericou e zelou pelos amigos – Dona Pedrina pode afiançar – reverenciou a nossa padroeira Nossa Senhora do Rosário, soube ser esposa, filha, mãe e mulher feliz.

 

Embora muito precocemente, com apenas 46 anos, Lilisa foi recolhida e acolhida pela Virgem do Rosário, comprovação demonstrada da visita domiciliar, à saída do percurso final de Maria Elisa na Rua Santa Cruz -154  -Gaspar.

 

Foi de causar arrepios de enternecimento e arrancar discretas lágrimas naqueles que presenciaram o estandarte encabeçar a fila do sepultamento e o caminhar dos amigos, por entre subidas pedregosas, atravessar o Gaspar, subir a Avenida Magalhães Pinto, cortar a Rua Santo Antônio... Morro acima, seguem todos até o círculo da esperança - Cemitério “Senhor do Bonfim”. Do alto, o bambuzal, com constrangimento, acena dando-lhe “boas-vindas”, enquanto os congadeiros seguem com fidelidade convidando a todos ao som silente e da marcação funérea da “caixa de guerra”,  o cântico de dor é entoado pelo Congado de Alvinópolis:

 

“Vamos meus dançantes!

Vamos com devoção!

Vamos levar nossa irmã

Que é a nossa obrigação”

 

Assim, foi a longa romaria levando a amiga ao calvário para entregá-la ao manto da Rainha do Rosário - sua mãe-intercessora aos céus - para que o Pai-de-Misericórdia lha dê as indulgências dos erros humanos.

 

Poucas são as autoridades privilegiadas com tão sadia e pura homenagem. Como mencionado no início, a morte de alguém amado(a) abre em nosso peito chagas que latejam, que sangram e que em vários casos, continuam a pulsar por muito tempo. Mas valho-me do dizer da poetisa Emily Dickinson, quando disse: “Todo meu patrimônio são meus amigos" para estendê-lo à família Clemente e poder afirmar que o patrimônio amigo da família é digno de louvor. .

 

À família em luto, o desejo de que o significativo apoio de tantos amigos seja o conforto para tão dolorida separação aos pais, marido, filhos, irmãos e amigos, e que a alegria da boa convivência e o soar – mesmo fúnebre  – toquem como lenitivo às almas agoniadas.  Cabe-me apenas acrescentar:

 

“Eu sou a Ressurreição e a vida. Aquele que crê em mim, ainda que esteja morto, viverá” (Jo 11, 25).

 

Ana Teresinha Drumond Machado é alvinopolense, professora e escritora.

Email : anmchd@robynet.com.br