Era setembro

 

Danilo Abreu Lima

 

 

 

Era setembro, acho, e ainda não havia chegado a chuva. chovia sim, mas em meus olhos e em meu coração empedrado minando saudades e ausências. e setembro era pleno de belezas ipês amarelando e arroxeando os horizontes contra os céus azuis muito azuis às vezes chumbos às vezes bronzes derretendo sobre as cabeças calor de 40 graus e nós todos dizendo caralho que calor é esse que tá derretendo a gente saía dançando pelas ruas, nas madrugadas, bebia, bebia, e depois saía dançando nas noites amenas daquele calor manso das madrugas e a só ia dormir tarde da noite manhã quase e brincava de namorar todo mundo meio riponga é ainda era tempo de ser hippie sabe final dos anos 70 e todo mundo na onda de Woodstock de Hendrix de Joplin

 

 

de mammas and the pappas e de toda aquela puta ilusão de paz e amor e concertos ao ar livre e nós cá nos trópicos e os ídolos todos lá, nas fazendas americanas nas ilhas inglesas naqueles frios de gelo e nós aqui nos trópicos querendo imitar ah mas era tão bom- paz, amor, rock and roll e as viagens- sim, era tão bom mas nada ficou sabe pras gerações de hoje que nem sabem o que foi aquilo tudo- hoje no máximo ouvem nas raves uns DJs tocando revivals remixados dos sons daquele tempo diluídos nesses batuques tribais essa coisa coletiva engolindo as individualides- ah! as dores dos desencontros cantadas nos blues eternos, o choro de um sax perdido numas noites de ontem, riffs de guitarra chorando dilaceradas histórias de amor doidas viagens psicodélicas pelos desertos na voz de Morrison- tudo isso hoje é nada neste tempo de batuque coletivo.

 


Álbum
caderno cartonado onde se colocam fotos ou recortes de jornais
cadernos de viagem: outras eras, papéis descoloridos
pétalas de flores, cacos de louça, papoulas murchas
manchas de vinho e sangue, trechos de castaneda,
poemas de Dylan Thomas, palavras de burroughs,
velhas canções do roberto e alucinações dos beatles:
penny Lane, eleanor, Sgt peppers e lucy, ah, aquela no céu
com diamantes e fogo derrandando sonhos e ressecando pesadelos gelatinosos

cadernos de viagens: anos sessenta, setenta,anos oitenta
pó de estrada, restos de yoga,
lenços sujos, lágrimas salgadas,
partidas, partidas, partidas,
cabelos em desalinho:
elefantes rosa, rosas carnívoras,
cabeças pulsantes
veias e viagens
loucos cadernos de non sense

 


Zen:
budismo, nudismo, luas
luas luas e girassóis
girando gôndolas na noite escura
brilhos matinais devassando as noites
ancestrais:

cadernos de viagem, álbuns,
rosas secas, flores mortas,
lendas, rumos,
cacos, caos e casos
muito desfeito
mitos mortos
outros tempos.
...são apenas álbuns. cadernos velhos. descorados
descoladas idéias
de quem nem se sabe mais:

era setembro, acho, e ainda não havia chegado a chuva. Nem sei que ano era.

 

Danilo de Abreu Lima é escritor alvinopolense.

Contato : daniloabreulima@gmail.com

Blog : atipoesia.blogspot.com

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