Aquelas mãos

 

Getulino do Espírito Santo Maciel

 

 

 

 

Eu tinha medo de passar em frente ao cemitério,

à noite, e dos fogos fátuos que, terrivelmente,

rolavam estalando o pasto seco de capim gordura.

Mas eu tinha mãos firmes apertadas às minhas

enxugando-me os pavores;

 

 

Tinha fome das " patuléias"

- um mexido de ovos fresquinhos

com farinha de milho de moinhos de pedra ...

... e mãos saborosas me serviam

em um esfolado prato de ágate;

 

 

Tinha machucados de espinhos

de unha de gato

e mãos milagrosas me curavam as feridas;

 

Chegava sedento do futebol de bola de meia e,

com uma caneca de limonada ...

... aquelas mãos me saciavam;

 

 

Eu tinha sono, abrindo a boca,

à luz da lamparina ...

e aquelas contas silvestres do terço

me cantavam

ave-marias e salve-rainhas

deslizando

su-a-ve-men-te

por entre aquelas mãos;

 

 

 

Ah! Aquelas mãos ágeis ...

...mexendo tachos fumegantes e cheirosos

de cravo e canela,

de doces de goiaba,

limão vermelho,

cidra, mamão

ou cozinhando milhos verdes

e pamonhas de indeléveis aromas;

 

Estava sem rumo pelas incertezas ...

...e aquelas mãos postas, silentes,

me indicavam o caminho;

 

Mãos lisas de seda me afagavam e,

junto ao coração, amorosamente me apertavam;

 

Mãos de jutas calejadas me silenciavam

brandamente

com um leve gesto nos lábios;

 

Mãos, quais lenços alvejados,

me enxugavam

as lágrimas da última

e merecida surra;

 

Mãos com agulhas a costurar nossos destinos

e a remendar nossas esgarçadas emoções;

 

Mãos sempre abertas

que um dia

se fecharam definitivamente

rodeadas pelo mesmo rosário

de contas silvestres

e se foram...

... não, não se foram...

estão aqui,

redivivas,

leve... suave... e eternamente.

 

As mãos de minha mãe, a mãe de minhas mãos!

 

Getulino Maciel é professor aposentado de Direito e reside em Lorena, cidade do interior de São Paulo.

Contato : louget@uol.com.br