Água : não basta economizar

 

Josué Seroa da Motta Sobrinho

 

 

 

         Acompanhando pela mídia a crise do abastecimento d’água que se instalou nesse ano no país, mais severamente na região Sudeste e que afetou o setor energético, de abastecimento e em alguns estados o setor agrícola, principalmente aquele ligado ao de horticultura tendo como consequência o aumento dos custos finais,  que irá afetar os índices do custo de vida e aumentar a inflação nos próximos anos, caso não haja a recuperação do regime pluviométrico. Vimos com isso que o elemento água não está somente ligado a dessedentação humana, como também a animal, assim como a esfera política e econômica  e suas consequências deverão    afetar profundamente  o futuro do país.

Deve-se considerar que estamos falando do Brasil, país que retém um dos maiores porcentuais de água doce do planeta.  Como engenheiro agrônomo  que militou a nível nacional e estadual na Coordenadoria do Programa de  Manejo Integrado de Microbacias Hidrográficas,  tanto na  extinta Embrater  como na Emater/MG, senti-me na obrigação de opinar sobre o assunto.
 

Infelizmente a situação da escassez de água doce veio para ficar a não ser que haja modificações comportamentais e que não passem  unicamente pelo racionamento da mesma. Nesse processo como um todo o fator primordial é, volto a enfatizar, a mudança comportamental, palavras fáceis de se dizerem  e difíceis de se implementarem, para isso caberá sem sombra de dúvida a extensão rural o papel de protagonista, não desmerecendo entretanto a participação de coadjuvantes, que estarão indubitavelmente inseridos profundamente no contexto. Só assim o programa MIMH ao ser revitalizado terá sucesso, tanto junto  ao pequeno  quanto  ao grande produtor rural, assim como  também aos habitantes das regiões onde se encontram as microbacias hidrográficas.  

Leis mais severas, mas que sejam factíveis em consonância com a realidade rural na utilização dos recursos hídricos devem ser estudadas e implantadas. É sem dúvida uma solução bastante simplista achar que a diminuição do consumo irá solucionar o problema. Para que tal aconteça terá de haver uma mudança  tanto individual, como na condução  da gestão dos governos.
 

O Programa de Manejo Integrado de Microbacias Hidrográficas (MIMH) na época da década de 80 tratava-se de uma iniciativa pioneira, uma visão holística da ocupação do solo, tanto sob os aspectos econômicos, sociais, antropológicos, agronômicos e hidrológicos.
Se não vejamos, sob o ponto de vista econômico tratam-se principalmente do combate as erosões, que diminuem sensivelmente a fertilidade do solo obrigando o agricultor a um gasto maior na aquisição de adubos orgânicos e químicos, para que possa vir a ter uma produção rentável para o mesmo, aumentando inclusive seus custos operacionais, além de proporcionar assoreamentos  nas caixas dos rios e diminuindo  sensivelmente sua vazão,  concomitantemente tornando-os mais propensos a serem causadores das enchentes.


No que se refere às áreas erodidas a situação ainda é pior, pois faltam financiamentos específicos para estabilização e recomposição de voçorocas, que praticamente inviabilizam as práticas agrícolas e de pastoreio, sendo que em Minas Gerais tal assunto tem tido pouca atenção por parte do governo, um exemplo gritante á a região de São João Del Rei.
Para não nos delongarmos nesse assunto é importante que o crédito agrícola com as suas normas sejam revistos por profissionais acadêmicos e de campo, em consonância com o programa de recuperação das microbacias.


Sob o aspecto social o programa de MIMH visa principalmente estabelecer critérios para a ocupação das benfeitorias e das sedes das fazendas evitando desastres ambientais decorrentes da ocupação das áreas de risco, principalmente envolvendo as enchentes, que tantos prejuízos estão recorrentemente presentes nos noticiários e que tem muito a haver com o manejo e a ocupação espacial das microbacias hidrográficas, prejuízos estes de bilhões de reais, que poderiam ser em muito dos casos evitados, se o  poder governamental  se interessasse mais  em aplicar recursos para a manutenção de um desenvolvimento equilibrado e sustentável.

 


      Dentro da ótica antropológica está contido numa abordagem  gestáltica  da ocupação da Bacia, levando-se em conta   um compartilhamento da área com as suas responsabilidades ambientais, que passam a ser então um objetivo comunitário e não individual para a preservação das áreas  responsáveis pelo equilíbrio do ecossistema. A falta de visão comunitária é uma realidade herdada da nossa colonização extremamente individualista, onde comunidade, ou seja, o bem comum no meio rural precisa e muito ser trabalhado, para que se tenha bom resultado ambiental satisfatório.
No que tange ao aspecto agronômico, no qual o programa foi especificamente lançado, tem como objetivo a ocupação do solo de acordo com as suas classes contidas nos princípios  edafológicas, fazendo com que cada área fosse ocupada de acordo com a sua aptidão ora para lavoura, para pastos, para matas ciliares e preservação das áreas de recarga.
Pertinente ao aspecto hidrológico é do conhecimento de todos que a recarga dos  lençóis freáticos é que constitui a fonte primária das nascentes e olhos d’água, que na sua totalidade constitui o abastecimento constante dos córregos, dos riachos,  dos rios e represas, haja vista a nascente do Rio São Francisco, rio da integração nacional, que está na sua gênesis com um pequeno broto d’água existente no estado de Minas Gerais,  na Serra da Canastra,  no município de São Roque de Minas.


Como foi dito acima no meu caso específico o objetivo era a sua implementação na área rural, que sem dúvida é a responsável pelo maior consumo de água doce tendo em vista à produção de alimentos. Apesar do estado de Minas Gerais ser considerado a caixa d’agua da Região Sudeste, os recursos aqui aportados foram os menores  levando-se  em conta  essa proporcionalidade.  
Em suma o MIMH não teve o resultado esperado,  algumas considerações a esse respeito devem ser feitas:  a recuperação das matas ciliares teve problemas devido a inadequação das metragens dos limites impostos por lei das áreas a serem recompostas, não se levando em consideração a topografia da bacia hidrográfica, que é diferente na Região Amazônica, praticamente plana, das regiões de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo com bacias hidrográficas encaixadas em verdadeiras cordilheiras, constituídas com muitos fundos de vale, onde alguns metros quadrados de área de aluvião podem fazer diferença nos ganhos do pequeno agricultor. No que se refere ao sucesso do MIMH temos as recuperações das nascentes como carro chefe, principalmente nos Estados do Sul do país e que coincidentemente receberam maiores recursos orçamentários, dentre eles destacam-se Paraná e Santa Catarina.
Vimos com isso que  os resultados apresentados  só não foram maiores porque os mesmos estavam ligados  ao Ministério e  as Secretarias de Estado da Agricultura, e não  a outros Ministérios e Secretarias como principalmente o da Educação com o  treinamento dos professores para ensinarem aos alunos a combinação entre a preservação dos recursos hídricos e a qualidade de vida das futuras gerações.


Outros   órgãos governamentais  deveriam estar envolvidos dado a complexidade do assunto com temas multifacetados, não excluindo a extensão rural. É de se lembrar de que a ocupação urbana está localizada em microbacias hidrográficas e também  são responsáveis, no somatório com as bacias do meio rural, pela disponibilidade de água doce ou de desastres ecológicos.
Enquanto não houver essa visão globalizada os resultados apresentados serão sempre pontuais e ineficazes, além obviamente da necessidade do aporte de uma considerável soma de recursos para um assunto de tamanha importância a fim de que o programa seja eficaz.  

 


 

Sou da opinião de que enquanto há vida, há esperança, porém o tempo corre, o MIMH ainda pode ser resgatado e atualizado, dependendo da vontade política dos nossos gestores enxergando nesta crise uma oportunidade de modificação do modelo de manejo hídrico atual,  enfatizando  que os estoques de água doce encontram-se no subsolo e que os mesmos são abastecidos pelas áreas de recarga que se encontram nas microbacias hidrográficas, que deverá ser um programa de médio e longo prazo. Que manejos adequados de irrigação devem-se levar em conta a capacidade de campo e a capacidade de murcha, porém isto é mudança comportamental, não se adquire de um dia para o outro e tem muito a haver com a visão do próximo e a responsabilidade com a economia no país nos próximos anos.
A falta de fiscalização na utilização dos pivôs centrais é realmente um caso de polícia, dificilmente encontra-se um responsável técnico para o seu manejo, falo isso por experiência própria, pois fui membro do Conselho do CREA/MG e essa  deficiência faz com que haja um grande desperdício de água e que por consequência afeta o abastecimento urbano.
Estamos acompanhando através dos meios de comunicação soluções paliativas,  não vemos por parte dos órgãos competentes uma análise mais profunda sobre a situação de crise a qual estamos vivendo, deixando de considerar as diversas variáveis que compõem o modelo atual. Persistindo esse modelo nem a frase do rei francês Luís XV  que disse “après moi ledéluge”( depois de mim  o dilúvio) não servirá,  porque não teremos água para tanto.
 

Josué Serôa da Motta Sobrinho

Engenheiro Agrônomo Aposentado

Mestre em Sociologia Rural

Contato : josueseroa@planetarium.com.br

 

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