Café ao Luar

 

Maria de Lourdes Camelo

 

 

        Sábado parecia ser o dia mais importante da semana.

Era assim: já ao amanhecer, minha mãe lavava a casa, trocava lençóis e colchas, lustrava os móveis e enchia as jarras de lírios. Havia um frenesi contido no que ela fazia. Era próprio de sua natureza. Supunha-se que todo aquele movimento fosse para aguardar o entardecer.

 

       Nessa hora, tomávamos banho, perfumávamo-nos e, um por um da família, levava uma cadeira para fora da casa, no passeio. No mesmo instante, como de hábito, em muitas casas fazia-se o mesmo. O movimento estendia-se por toda a cidade.

Nem bem o sol se punha sentávamo-nos em roda, confortavelmente, para o encontro aguardado. Era uma roda-viva, uma fonte de água pura, um porto seguro. Perfeita sintonia. Não era tedioso nem obrigatório. Tudo natural, voluntário.

Eu, criança, ali sorvi o ar mais puro que respirei.

 

        Estavam todos presentes: minhas avós, meus pais, meu irmão, meus tios, os amigos. Um manto de estrelas nos cobria. Luas andarilhas perambulavam pelo céu.  A brisa suave vinha dos montes. Todos eram bem-vindos ao grupo, até o desconhecido.

 

 

A "porta" sempre aberta. Ouvíamos cada um como se ouve a música preferida. Os temas eram variados. Prevaleciam os de mistérios e assombrações. Quando eram proibidos, eu era convidada a acompanhar meu irmão na corrida de velocípede. Minha mãe ficava atenta. No ápice do encontro, desaparecia. Voltava com uma bandeja de café e um cesto de pão de queijo.

        Havia algo inabalável entre nós.

 

Tínhamos identidade, intimidade, predisposição para o vínculo.

 

        Não íamos até muito tarde. Era o tempo de se esvaziar a praça e as árvores desaparecerem por entre a cerração densa. Dormíamos em paz.

 

        Às vezes, me surpreendo pensando:

haveria ali uma sabedoria herdada?

Intenções veladas?

Uma pedagogia?

Ou, simplesmente, um estilo de vida?

 

        Em tempos de pós-modernidade, relações líquidas e cultura híbrida, reporto-me a esses colóquios, hoje rarefeitos, em busca da solidez.

Perplexa, vejo como éramos inteiros e intensos.

Afinal, tínhamos licença para isso.

 

 

Maria de Lourdes Camelo é alvinopolense e reside em Lorena-SP

E-mail:  louget@uol.com.br