Os heróis da resistência
(Os jurados dos festivais)
Marcos Martino
Desde que o mundo é mundo,
sempre rola uma polêmica muito grande com relação ao júri
dos festivais. Por mais honesto, íntegro, por mais que o
regulamento seja perfeito, sempre haverá alguém pra se
sentir injustiçado. É como diz a canção do Caetano: “Narciso
acha feio o que não é espelho”. Ninguém gosta de perder, mas
é inevitável. Pra alguém ganhar, alguém vai ter de perder.
Por cada vitória, uma cabeça cai ( ou várias).
Nos tempos iniciais o júri era
integrado por notáveis da sociedade. Não exatamente pessoas
que exercessem profissões ligadas à música ou a literatura,
mas que tinham uma certa bagagem cultural, muitas vezes
profissionais liberais, médicos, odontólogos, políticos,
entremeados com professores, músicos, enfim. Com o tempo, se
formos enumerar, teremos um número enorme de pessoas que nos
agraciaram com seu trabalho totalmente voluntário. Pois bem!
Integrar o júri dos festivais, em princípio parece uma
honra. Há quem se sinta realmente feliz e homenageado, mas é
uma pauleira só. Imagine você passar de 2...até 3 horas
sentado, num frio de congelar os ossos, ouvindo e julgando
15 músicas por noite, algumas de ótima qualidade, outras
mais amadoras?
Eu já passei por essa
experiência algumas vezes e garanto que não é fácil. Pra
completar, os participantes são extremamente exigentes com o
corpo de jurados. Ai daquele que se manifestar, que sorrir
um pouco mais ao ouvir a música de algum concorrente, que
olhar para o lado quando certos participantes estiverem se
apresentando.
O sujeito não tem o direito de
piscar os olhos. Logicamente que existem alguns jurados que
extrapolam, que erram a mão na bebida, que dão atenção
exagerada a certos participantes que tentam fazer lobby para
suas músicas, mas isso é exceção e não regra.
Só pra exemplicar o que eu
digo, da complicação que é lidar com o psicológico dos
concorrentes, numa edição do festival, as notas eram dadas
ainda com tabuleta. Os jurados levantavam a tabuleta com a
nota. O Grupo, o Verde Terra estreiava nos festivais com a
música “NÓS, OS LOUCOS”.
Nas noites da eliminatória,
somadas as notas, estávamos em primeiro lugar. Só que quando
chegou nas finais, fizemos mais uma excelente apresentação.
Porém um dos jurados levantou a tabuleta com a nota 5 ,
sendo que a maioria dos jurados nos deu notas bem maiores,
entre 9 e 10. Aquela nota baixa, fez com que ficássemos em
terceiro lugar. O jurado se justificou dizendo que deu
aquela nota por achar que outra música merecia o primeiro
lugar e se não fizesse isso, estaria sendo feita uma
injustiça. Pra vocês verem como um jurado apenas pode mudar
um resultado. Ficamos alguns meses chateados com o episódio,
mas graças a Deus, depois daquilo tivemos uma trajetória
vitoriosa e acabou virando uma lição pra gente.
Curiosamente, notamos que os
festivais passaram a abolir as tabuletas, que expunham os
jurados demais. Em Monlevade os festivais também utilizavam
as tabuletas. Lembro-me que vencemos um festival por lá com
um ginásio lotado. Nas eliminatórias, ganhamos 10 de todos
os jurados, fato que se repetiu na final, ou seja, todos já
sabiam o resultado antes do festival acabar. De qualquer
maneira, uma coisa é certa. Nunca vi um festival em que
houvesse satisfação total com relação ao resultado. Sempre
tem alguém pra gritar marmelada, pra achar que houve
manipulação. Já houve por exemplo festival em que computadas
as notas, certa participante faturou 3 dos principais
prêmios. Foi tudo super-honesto, respeitadas as notas e tudo
mais...mas vai convencer o pessoal?
Já houve também casos de
participantes que criaram verdadeiras teorias da conspiração
e ao perder, juraram nunca mais voltar, dizendo que acontece
isso e aquilo. Porém acho que podemos dizer uma coisa com
orgulho: se o nosso festival está fazendo 30 anos é porque
construiu essa credibilidade com muita lisura e honestidade.
Tantos anos fazendo o festival já nos dá uma certa
experiência, seja na formulação do regulamento, seja na
condução dos processos, no sentido de buscar a justiça,
valorizando os artistas e procurando sempre corrigir
qualquer anomalia quando percebida. Importante que
ressaltemos também que os jurados não recebem cachê. Muito
pelo contrário. Quase sempre custeiam suas viagens ( quando
de fora).
Alguns que se consideram
entendidos, ficam cobrando que sejam convocados apenas
maestros, professores, pessoas especializadas mesmo. Só que
isso é uma famosa faca de dois “legumes”.
Logicamente, faz bem termos
especialistas que dão mais credibilidade ao corpo. Mas por
exemplo: um maestro de verdade, acostumado aos clássicos, à
música de altas esferas, dificilmente vai gostar de rock, de
axé, do sertanejo e até de muita coisa da MPB. Assim como
uma pessoa muito versada em literatura, em poesia da melhor
qualidade, não terá parâmetros para julgar letras de
músicas, que nem sempre tem esse compromisso de rigor
literário.
Mas voltando aos jurados em
geral, temos muito a agradecer a cada um deles. Peço
encarecidamente aos festivaleiros que respeitem a todos,
pois são verdadeiros heróis da resistência. Mais uma vez
quero homenagear os pioneiros como Fred Ozanan Barcelos,
Luiz Viola, Edmundo, Ana Therezinha, Zé Sylvio, Neguinho,
Ilderaldo, Júlio Papa, Manoel, Marcelo Xuxa, Mário Emílio,
Juninho, além dos representantes da nova geração. E vamos
seguir em frente. Daqui a mais 30 anos, estaremos de novo
comemorando o 60º Festival da Música em Alvinópolis.
Marcos Martino é alvinopolense, poeta,
escritor, jornalista, músico.
Email :
marcos.martino@gmail.com